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Lembranças da vida de Hedwig Textor Trein

Prefácio de Carlos A Heuser

O texto que segue é uma auto-biografia escrita a partir de 06 de março de 1937 por Hedwig Textor Trein quando ela tinha 90 anos de idade. Hedwig é minha tia-bisavó. Ela pertence a família Textor, uma família de imigrantes pomeranos aqui chegados em 1851.

O original é um manuscrito em Alemão. O presente texto foi traduzido para Português a partir do original por Erna Ertel Krahe, uma sobrinha-neta de Hedwig, e que durante muitos anos foi a genealogista da família Heuser, família de sua mãe.

A biografia é pessoal, relatando muitos fatos da longa e movimentada vida de Hedwig. Ela divide a biografia no que chama de “séries”, como se fossem pequenos capítulos. A ordem da narrativa é cronólogica, mas é possível ver que ela foi relatando os fatos na medida em que deles se recordava, pois, às vezes, retoma a um assunto já tratado. Mesmo assim, é impressionante a capacidade de memória da autora, lembrando não só dos fatos, mas também dos nomes das pessoas envolvidas. Também é bonito ver como, por vezes, mistura alguma expressão em Português na narrativa (isto obviamente somente pode ser visto no texto em Alemão).

Hedwig nasceu em 1847 em Schönwalde na então Pomerânia, hoje na Polônia. Ela tinha menos que quatro anos de idade quando a família imigrou em 1851. Portanto, o que ela relata sobre a sua infância na Alemanha e sobre os primeiros anos no Brasil deve vir mais do que ouviu dos familiares, do que de sua própria experiência.

Na literatura sobre a imigração no Sul do Brasil, há vários relatos de imigrantes que vieram ao Brasil com suporte do governo imperial ou provincial, aqui receberam terras, e nelas se estabeleceram como agricultores. Muitas vezes, eram famílias pobres e que tiveram muitas dificuldades para construir uma vida aqui. As terras situavam-se no meio do mato, longe de qualquer cidade. Toda infraestrutura teve que ser construída pela primeira geração de imigrantes, que se dedicou primariamente a esta tarefa. Um bom exemplo é o de meu trisavô Christian Heinrich Behncke, imigrante sobre o qual tratam duas outras postagens, aqui e aqui, e que chegou no mesmo ano da família Textor.

A família Textor é exatamente o oposto. São imigrantes espontâneos, que vieram com seus próprios recursos, sem subsídios do governo. Aparentemente vieram com posses suficientes para estabelecer-se em Porto Alegre e aqui manter a família.

O relato de Hedwig nos permite vislumbrar como era a vida de uma família de imigrantes com posses e educação. Nela não aparece a figura do heróico pioneiro desbravando terras virgens. Ao contrário, aqui aparece uma família que, em pouco tempo, não somente estava integrada no sistema econômico da Província, mas também pode estabelecer vínculos com a elite local, que aparentemente aceitava e integrava os novos habitantes.

É interessante observar também, que os imigrantes continuavam mantendo contato com a terra natal, o que é comprovado pela troca de correspondência, de presentes, de viagens para a Alemanha, e até da herança de bens das famílias que lá ficaram.

Daqui por diante, inicia a biografia de Hedwig propriamente dita. Eu inseri algumas notas dentro do texto (estão marcadas em itálico) para ajudar no entendimento.

Carlos A Heuser, Fevereiro de 2021

Introdução

Não sei se aos meus queridos descendentes vai interessar ler sobre a minha vida, sobre o meu destino. Peço que após a leitura estas páginas sejam entregues à minha amada e única filha viva Alice Trein Hoffman (a outra filha, Emma, já havia falecido quando Hedwig redigiu suas memórias ), a quem eu dedico estas lembranças.

Fui animada a escrever sobre o meu passado por algumas de minhas melhores amigas.

“Amthaus”em Schönwalde – fotografia bem posterior à época em que os Textor lá viviam

Nasci dia 3 de setembro de 1847 no assim chamado “Bluecherschloss” em Schönwalde. Este, que antigamente era um castelo, era então o “Amthaus” de Schönwalde, na Pomerânia, e meu pai era o “Amtmann”. Meu pai era um homem alto e bonito. Um quadro pintado da minha mãe e meu pai estão ainda hoje em Vila Clara, na casa de meu cunhado, Viggo Thompson. Embora eu seja a única filha de meus pais que ainda vive, ele não quis me dar este quadro após a morte de minha irmã Clara. Ele o havia prometido à minha sobrinha, Eugenie Heuser, nascida von Schwerin, mas esta agora também já faleceu. (notas: “Amthaus” designa a casa sede de uma fazenda e “Amtmann” designa o administrador)

Sabe-se que minha mãe descendia de uma família muito boa, a família Richter de Berlim. Sua educação foi muito boa. Ela estudou línguas, música, declamação e trabalhos manuais, conhecimentos que mais tarde, aqui no Brasil, lhe ajudaram a superar os golpes do destino. Os parentes da Alemanha lhe mandavam seguidamente jóias, roupas, toalhas de linho de damasco, etc. Após a morte de meus pais não se teve mais notícias deles. Uma conhecida que viajou para a Alemanha relatou que lhe havia sido contado que a viúva rica, irmã de minha mãe, tinha caído nas mãos de interesseiros e que a fortuna tinha desaparecido. (“auch gut”).

Meu pai, Adolf Friederich Textor, descendia de família da Senhora Rath Goethe, que era mãe de Goethe. Na Alemanha só existia uma família Textor. Desde pequena eu me orgulhava de ser descendente da família da mãe de Goethe, de ser também uma Textor. (nota: O sobrenome realmente é pouco frequente na Alemanha. Entretanto, não me foi possível encontrar a ascendência de Adolf Textor, nem comprovar o alegado parentesco com Goethe)

Não sei porque os meus pais emigraram, pois eles tinham herdado um “Landgut” (fazenda) na Pomerânia. Com certeza foi difícil para o pai ser fazendeiro, pois sofria muito de feridas abertas nas pernas. Ele sempre contava que com 17 anos teve que servir na invasão da Rússia por Napoleão. Felizmente entrou só no final da campanha. Com o uso de botas muito pesadas abriram feridas, que mesmo com muito cuidado sempre voltavam a abrir após pouco tempo. (nota: pelo que pude levantar, Adolf Textor não havia herdado uma fazenda e sim era arrendatário delas, como pode ser visto na postagem com seu histórico)

Agora, em várias séries independentes, vou tentar descrever as minhas memórias, casos tristes assim como casos alegres, e outros acontecimentos de minha longa vida, iniciando na Série número 1.


Série nº 1

A minha lembrança mais antiga é de criança de três anos. Em Schoenwalde eu tinha uma babá de nome “Tine”, e estava com ela sentada num banco vermelho. Ela vestia um avental listrado amarelo. O banco virou e machucou a unha do dedão do meu pé, que ficou dependurada num fio de pele. (Esta unha do dedão do pé cresceu endurecida e eu transmiti este defeito aos meus filhos).

Não sei como foi a partida para a viagem. Só sei que éramos sei irmãos:

Theodor sofria do coração e devia ir para clima mais quente.

Sei que em Hamburgo fugi, alguém me carregou, sempre perguntando pelo nome do meu pai, acabando por felizmente encontrar minha família.

Embarcamos no veleiro. Alem de nossa família havia mais três famílias que também seguiam para Santa Cruz: Kliemann, Werlang e Neumann. Os descendentes destas famílias ainda hoje estão lá como cidadãos bem situados.

O capitão do veleiro me deu de presente um saquinho de pão torrado, que eu carregava sempre comigo. Lembro bem que meu irmão Theodor morreu na viagem. Todos os marinheiros e oficiais ficaram em fila, o Pai segurou a Mãe, que chorava muito, o capitão rezou e o meu irmão, envolto em muitos lençóis, foi baixado para dentro do mar. Tive a impressão que a bandeira do navio teria caído naquele momento.

No dia 7 de setembro de 1851 ancoramos no Rio Grande. Este feriado nacional naquela época era festejado com “Mascarados nas Ruas”. Estes mascarados, como todo o resto do povo, vieram à praia para apreciar a chegada do veleiro, o que era raro naqueles dias. Minha mãe ficou muito assustada com as máscaras, porque muitos dos mascarados estavam fantasiados de macacos, com barba de pau colada nas cabeças e no rosto. Mãe achava que tinha chegado à uma terra de loucos. Mas, bem depressa, seguimos viagem até Porto Alegre.

Aqui encontramos dois senhores que falavam alemão e cuidavam dos emigrantes. Eram o Ministro Sinimbu e Muritiba.

Ao meu pai e às outras famílias foi dada a terra gratuitamente nas colônias praticamente desconhecidas de Santa Cruz, que provisoriamente eram administradas pelo Senhor Buff. Na assim chamada “Picada Nova“, bem no alto, perto de Sinimbu, ficavam as colônias que receberam. Meu pai e irmão Emil seguiram para lá a cavalo e encontraram uma profunda mata virgem. Quando lá chegaram para ver a terra, veio uma chuvarada de dias. O riozinho Rio Pardinho transbordou e inundou toda aquela terra. Meu pai e Emil ficaram dois dias e uma noite trepados em árvores altas. Quando desceram, agradeceram um tal “presente de grego”, e voltaram a cavalo a Rio Pardo, enquanto os demais lá ficaram e foram muito felizes como colonos.

Em Rio Pardo, naquela época, só havia duas famílias alemãs: Nicolau Hasslocher e Luchsinger (nota: deve ser Jacob Luchsinger), que eram os proprietários de um armazém no assim chamado “Passo”. Hasslocher era o avô do Dr. Germano Hasslocher e de Ernesta Haensel, cujo marido, o deputado Frederico Haensel, foi assassinado no jardim de sua casa pelas costas, na rua da Figueira (Cidade Baixa) durante a revolução de 1889. As cantoras Amália Iracema Ferrari e Hedy Brugelmann eram suas filhas, assim como também a Senhora Bahlke. Ao longo dos anos, tivemos sempre uma amizade sincera. Os Luchsinger que ainda hoje vivem em Porto Alegre são descendentes deste casal de Rio Pardo. Estas duas famílias eram muito amigas de meus pais. [Nota: na realidade, Ernesta Hänsel era filha e não neta de Frederico Hänsel]

Como Rio Pardo naquela época era uma cidade bem brasileira e os meus pais não falavam o Português, não havia como manter um negócio que sustentasse uma família com cinco filhos. Eles tiveram que voltar para Porto Alegre após grandes prejuízos financeiros.

O governo daquela época, liderado pelo Ministro Sinimbu, iniciou aqui uma grande criação de ovelhas Merino. O secretario de estado, Sr. Cidade, ofereceu ao pai a direção deste empreendimento. O governo comprou, na estrada “Mato Grosso”, uma grande chácara de Manduca Nunes, que é hoje a Chácara das Bananeiras, Posto Policial. O Morro da Policia também pertencia à chácara.

O governo aplicou muito dinheiro neste empreendimento. Construiu um estábulo maciço grande e alto e outros edifícios. Importou um grande lote de ovelhas caras, Merino, máquinas, arados, e ferramentas para plantações. O empreendimento foi bem, mas após a lavada e a tosa das ovelhas ninguém sabia o que fazer com a lã. Depois de anos de prejuízos, o governo resolveu acabar com a criação, torrou as ovelhas por uma ninharia para se livrar delas. As construções foram abandonadas por muitos anos, até que a polícia tomasse conta, estando lá ate hoje. Foi uma lástima que este empreendimento tenha sido prematuro.

Tenho ainda bonitas lembranças da infância e da juventude na chácara, mas contarei em outra série sobre elas e sobre a minha mágoa de não ter podido freqüentar um colégio alemão, pois naquela época não havia nenhum em Porto Alegre. Meus irmãos mais velhos já tinham ido ao colégio, já tinham sido alfabetizados, ainda na Alemanha. Contarei sobre nossa vida na Chácara e sobre os destinos de cada um dos irmãos mais adiante.

Nesta série só quero contar ainda o seguinte: por imposição de meu cunhado, marido de Clara, Barão Carl von Schwerin, os meus pais e eu nos mudamos para Santa CruzVon Schwerin era uma pessoa maravilhosas, que sempre lembrarei com carinho. Sempre foi muito dedicado a mim e a meus pais. Por isso amo os seus descendentes que vivem em Santa Cruz e Porto Alegre, não somente por merecerem este meu amor, mas em memória dele e de minha irmã Clara.

As três irmãs Textor: Malvine, Hedwig e Clara


Série nº 2 (1º de abril de 1937) – A respeito dos parcos conhecimentos escolares – Obtidos sem escola Alemã

Durante a minha infância dos anos 1852 a 1860, aqui no Brasil, não havia colégio alemão em Porto Alegre, assim como também não havia igreja, nem pastores, nem uma comunidade evangélica. Muito, muito mais tarde, por intermédio do Sr. Friderich Molz (avô do construtor Pick) conseguimos a formação de uma comunidade e um pastor veio da Alemanha.

Naquela época, os colégios brasileiros eram muito primitivos. Meu primeiro colégio, que ficava na Rua da Igreja (hoje Duque de Caxias) era particular, de uma Dona Maria Pitta, avó do médico que agora vive aqui, Dr. Pitta.

Eu, como única alemã, quase não recebia atenção e muito menos me incluíam nas aulas fraquíssimas. Lembro-me que quando, como grande novidade, começaram a ensinar as meninas a bordar e a fazer tricô, não me convidaram a participar. Mas eu fiquei prestando muita atenção, pois já tinha visto nossa mãe bordar e tricotar muito. Faziam aquecedores de pulso com “Capuchãosinhos” de crochê. Não agüentei e disse que também sabia fazer isto. Com ironia a professora disse: “Isto eu quero ver!” E sem auxilio, que ela me negou, sentei junto com as outras – pensei bem como a mãe fazia – enrolei o fio nos dedos e tricotei a primeira fileira, bem como as outras o faziam. Todas ficaram admiradíssimas e eu tive uma satisfação muito grande.

Enquanto freqüentei o colégio todos os dias se copiavam os mesmos dizeres que estavam pendurados na parede. Jamais era feito algum ditado nem qualquer outra coisa. O colégio pausou muito tempo, quando nossa professora viajou para São Paulo para visitar parentes.

Finalmente abriram um colégio na Rua da Igreja, no lugar do “Colégio Sevigne” de hoje. Mas a casa era pequenina e a professora, D. Henriqueta Garoidort, tinha que lecionar as alunas mais adiantadas que chamávamos de “Decrionas”. Minha professora chamava-se Glicéria Torelli. Ela e a irmã Fermina Torelli são as bisavós dos Torelli que vivem em Porto Alegre. Foi lá que aprendi o pouco que pude e foi só o que tive de colégio, mas fazia tudo com amor e entusiasmo. A distância da “Chácara” até o colégio era grande e dificultava tudo muito, pois tinha que ficar em internato na cidade. Acho que por isso a coisa não durou muito e as aulas muito fracas não me ensinaram muito.

Toda a minha vontade, porém, era aprender o Alemão mesmo que sem colégio. Isto eu consegui da seguinte maneira: os meus pais se davam muito com a Família Engel. Ele era o pai da viúva Tollens e da falecida Sra. Jenneret Bahrensdorf. Devo ter dito a ele como eu gostaria de aprender alemão. Ele tinha uma chapelaria na Rua da Praia. Um dia ele me presenteou uma cartilha do primeiro ano, um livro de canções alemãs, mais um livro muito grosso de pequenas historias alemãs, e outro livro que se chamava “Heirich von Eichenfels veio conhecer a Deus”. Minha alegria era tão grande que tive a impressão de ter recebido uma metade de mundo!!!

Mutter (minha mãe) ensinou-me as letras e começou com leitura. Daí em diante eu estudava todos os dias, horas a fio. Quando cansava, abria o livro de canções, das quais minha mãe já tinha ensinado muitas. Ela me ensinou todas as canções que ainda não conhecia e até hoje, aos 90 anos, ainda sei as primeiras estrófes e as melodias de quase todas elas. No passar dos anos, fui aprendendo mais algumas e até hoje gosto de cantá-las e acompanhar com a cítara. Lá na Chácara havia uma alameda de bananeiras muito grande e lá eu cantava por horas a fio minhas canções, completamente só. Mais tarde, lia os contos. Como eu adorava ler um por um, eram maravilhosos, não havia um que eu não gostasse. Nunca os esqueci. Lamento que estes livrinhos não mais existam.

E então chegou a hora de Malvine e eu confirmarmos. Acho que foi em Hamburgo Velho (“Hamburger-Berg”) que morava o Pastor Haespert. Na minha lembrança de criança ficou que ele devia ter um defeito num pé e mancava. O Pastor conhecia um professor de Alemão chamado Albrecht, que morava na Dr. Flores, na frente de onde hoje fica a Leopoldina. Este Sr. Albrecht devia dar a nós duas e mais outros 12 confirmandos uma lição por semana. Seis semanas freqüentamos estas aulas, muito fracas, insuficientes. Um dia veio o Pastor Haespert e, na mesma casa onde tivemos as aulas, colocaram duas velas ao lado de um crucifixo, e pronto, estávamos confirmadas.

Malvine recebeu a frase de Bíblia: “Dein Wort sei meines Fusses Leuchte” – “A tua palavra seja a luz para os meus passes”.

Eu recebi as palavras: “Rufe mich an in der Not” – “Apela a mim quando tiveres necessidade”. Nunca esqueci este dizer da Bíblia e o utilizei em momentos de angústia.

Meus outros irmãos já haviam sido todos confirmados na Alemanha.

Meu irmão Emil foi trabalhar como aprendiz com o construtor Kupplich (avô de minha atual vizinha).

irmão Carl ajudava o pai na chácara e, ao derrubar um pé de maricá, um galho rasgou-lhe o braço e danificou o nervo de um olho. Por isto, teve de usar sempre óculos escuros. Mais tarde, ele casou com uma brasileira. Anos depois, ele se mudou para Candelária, onde faleceu cedo. Seus filhos vieram morar conosco, Alzira ficou com minha irmã Malvine, o menino, que logo faleceu, ficou com Jeny Heuser, e Mercedes ficou comigo, até seu casamento com von Wollwitz. Mais tarde falarei novamente a respeito destas três crianças.

Série nº 3 – Como nasceu meu grande amor pela música

Para contar isto, tenho que contar primeiro sobre a construção do Teatro São Pedro, o qual foi construído pelo engenheiro Philipp von Normann (o mesmo que construiu o grande “Baillante”, que mais tarde foi substituído pelo “Auditório Araújo Vianna” [e este, por sua vez, pelo Palácio Legislativo de hoje]).

O casal Normann era muito amigo de meus pais. Como não tinham filhos, a minha irmã Clara (Textor von Schwerin) passava muito tempo com eles. Para a inauguração do teatro, o governo conseguiu trazer para cá uma Companhia de Óperas muito boa. Não me lembro de ter visto uma melhor aqui em Porto Alegre. O nome do tenor era Lelmi e o da “primadona”, Baietti. Como construtor do Teatro São Pedro, o Sr. von Mormann tinha um camarote reservado e Clara sempre acompanhava o casal. Foi uma grande sorte para nós, pois Malvine e eu, pois às vezes também podíamos ir, nos revezando. Desta forma vi e ouvi “Trovador”, “Norma”, “Lucia di Lammermor”! Quando vi pela primeira vez o “Trovador”, o meu entusiasmo era incrível!! Este entusiasmo pela musica não me deixou mais, durante os meus 90 anos afora. Naquela época eu devia ter 8 a 9 anos. No dia seguinte não consegui pensar em outra coisa, acreditando também saber as melodias. Corri para o pé do Morro da Policia, que não ficava longe, subi numa pedra e cantei, cantei com toda força as melodias, sempre imaginando o decorrer da ópera. Quis tanto aprender música, mas isso não era possível.

A minha mãe tinha uma voz muito bonita. Ela sempre cantava passagens de óperas e operetas para mim e minhas irmãs. Ela também declamava muito bem. Eu a escutava com adoração e aprendi as melodias. Aquelas que não pude gravar, aprendi mais tarde na vida. Até hoje sei quase todos os inícios das óperas e melodias de canções, como também as palavras.

Agora passamos ao meu início na música. Lá no “Morro do Cemitério”, morava uma família nossa conhecida – Guedes. A filha deste casal, Paulina Guedes, tocava guitarra. Ela se dispôs a me vender o instrumento por 5.000 reis, achei caríssimo, e me ensinar a tocar. Fui tomar as aulas com ela. Aprendi alguns acordes de acompanhamento e já consegui acompanhar suas melodias (modinhas). Um dia fui contente para a aula, mas encontrei a casa fechada. Alguns vizinhos me contaram que Paulina tinha se suicidadocom um tiro. A família mudou-se e Paulina não estava mais aí nem a guitarra! Acabou o meu aprendizado. Muito triste voltei para casa e meus estudos acabaram.

Anos se passaram. Através da família Normann, conheci uma amiga de nome Celeste de Castro. Eram vizinhos da família Normann, moravam na casa onde hoje e o “Sanatório Dias Fernandes”. Do outro lado da rua, vis-à-vis, eram os fundos do Teatro São Pedro. O Sr. Castro, um rico português, Dona Izolina, uma francesa, sempre foram muito queridos comigo. Celeste, filha única, inteligente e alegre, tocava piano muito bem, para as condições daquela época, Fui convidada seguidamente por eles. Mais tarde, passaram algum tempo conosco em Santa Cruz. Celeste me ensinou um pouco de piano e, principalmente, as canções brasileiras: Meu Anjo Escuta, Meia-Noite no Bronze da Torre, Tão Longe de Mim Distante, Do Poeta a Flor Querida, e muitas outras mais. Tudo modinhas em voga. Ela acompanhava e ficava muito feliz, achando que já sabia muita coisa. Passávamos muito tempo juntas cantando e tocando piano.

Mas um dia tive que me mudar, com Mutter, para Santa Cruz, a pedido de Clara e Carl von Schwerin, que lá foi o primeiro Diretor da Colônia. Clara esperava o primeiro bebe. Nasceu  Jeny [Eugenie von Schwerin] Heuser. Nossa mãe passou algum tempo lá e voltou para Porto Alegre quando Clara estava mais forte. Eu ainda fiquei por algum tempo em Santa Cruz. Lá conhecemos a família Lewis, ela chamada Dona Carlotta. Ele americano e ela da família Marechal Menna Barretto. Ela era muito rica. Todas as terras ao redor de Santa Cruz e o campo para “Cannabarro” pertenciam ao seu pai. Ela era muito bonita e tinha 4 filhas, mas era muito má para os seus escravos. Mais tarde se mudaram para Porto Alegre e compraram uma casa luxuosa. Mais tarde, juntamente com Celeste, os encontrei varias vezes. As mocas lindas casaram em seguida, a primeira com o Dr. Brandão, a segunda com Gustavo Leyvaud, secretario do correio, a terceira com Ernesto Alves de Rio Pardo e a ultima, com Francisco Falckenbach. Anos depois, fiquei sabendo que as quatro perderam a fortuna que tinham herdado do pai, perderam todas as terras, etc. Dona Calota faleceu na casa de uma neta natural, num cantinho de uma casinha de colonos, em completa miséria. Que destino!!

Casa Textor em Santa Cruz – Teria sido a casa de Adolf Textor

Mas ainda em Santa Cruz, o pai, o americano Lewis, construiu a primeira igreja. O vigário dava aulas de piano para as meninas nas quais eu, por ser muito amiga, pude tomar parte. Do vigário aprendi as notas e o seu valor, assim como os nomes em italiano e português. Hoje só existem descendentes de Leyvaud, os quais possuíam sangue francês, estudaram bastante musica e outras matérias, sendo bem sucessidos na vida. Depois de algum tempo voltei para Porto Alegre e as minhas aulas de piano pararam novamente.

Celeste e eu continuávamos muito amigas. Visitávamos seguidamente a família Cordeiro. Ele tinha uma Escola de Dança, bem em frente da casa de Celeste, onde hoje fica o grande Arquivo Publico. O Sr. Cordeiro tinha cinco filhas e todas com facilidade para a música. Por muito tempo, a mais velha, Chiquinha Cordeiro, era a única professora de piano. A segunda filha, Candinha, era muito bonita e também tocava piano muito bem, o que nesta época era uma raridade em Porto Alegre. Que horas lindas passei na casa da família Cordeiro! Seguidamente, em trajes de gala, íamos a “Soirée” no “Brillante”. Oh! que beleza!

O presidente do estado era um senhor de idade, Cirne Lima. Era viúvo e se enamorou de Candinha. Claro que a única filha dele era muito contra. O nome dela era Panchita. Mas o casal conseguiu que ela mudasse de opinião, com coragem e muito jeito. Candinha e Panchita tornaram-se mais tarde boas amigas. Houve um grande casamento; Celeste e eu, como amigas, também fomos convidadas. Que felicidade! Minha mãe desmanchou um lindo vestido de seda, ainda da Alemanha, e fez dele um lindíssimo vestido de gala para mim. A querida mamãe tinha jeito para fazer o que quirera, herdado pela minha querida Alice. Para a festa, recebi ainda um pequeno rosário e, de mamãe, uma cornetinha de ouro. Oh! Eu me achava a mais linda. O que me impressionou muito foi que, quando voltamos da igreja, levaram a noiva de véu, grinalda e vestido do mais fino cetim ao piano e ela tocou o Hino Nacional de Gottschald. Havia uma mesa enorme de doces e dançamos. O casal mudou-se para o palácio, que não era tão bonito como o de hoje. O atual Dr. Cirne Lima, casado com Judith Masson é filho deste casamento.

Chiquinha viveu seus últimos dias em sua casa. Muitos anos após, em Torres, contei à Dona Judith que estive no casamento de seus pais. Ela se admirou muito.

A terceira filha dos Cordeiros, Luiza casou com um Brochado, que era o antigo sócio de Willy. A mais moça casou com “Poeta”, aparentado com a família von Drug.

Da casa de Celeste tive a oportunidade de ver D. Pedro II e o príncipe Gastão, na praça. Eles passaram por aqui durante a Guerra do Paraguai. Isto tudo agora é passado…

Carlos Trein Fº, o marido de Hedwig

Quando mudei com os meus pais e Emil para Santa Cruz, conheci um moço que era completamente diferente de todos os outros moços que conheci em minha vida, o meu querido e bom Carlos. Ele dedicava sua vida só aos estudos e ao trabalho. Isto me encantou. Adorava os parentes e tinha toda a dedicação a eles. Os demais ele deixava completamente à vontade, nunca se intrometendo. Sempre evitou mocas e senhoras. Só ao amigo Schwerin ele dava toda a atenção e tinha grande respeito. Schwerin reconheceu o seu trabalho e passou a levá-lo junto para auxiliar nas medições de terras. Dele ele não era só um empregado, mas também um companheiro, até a prematura morte de Schwerin.

Carlos, por toda a vida, foi sempre um homem correto em todos os atos. Ele sabia tocar cítara com muito sentimento, e com isto o meu grande amor pela música renasceu. Ah! Eu queria muito aprender a tocar também. Mas como? Ele tinha vergonha de me ensinar, e eu tinha vergonha de pedir a ele que me ensinasse. Mas com o passar do tempo, tornamo-nos mais íntimos, e eu pude começar a tocar na sua cítara. Carlos viajava muito com Schwerin , fazendo as medições de terra e como eu ficava muito só, aproveitei bastante a cítara, aprendendo sempre mais.

Mas então veio a vontade de ter o meu próprio instrumento. Mas como? Ouvi dizer que na Casa Gertum, de Porto Alegre, se podia comprar uma cítara. Quando mamãe veio me visitar, ficou sabendo do meu grande desejo. Fui com ela para Porto Alegre e ela me deu uma onça em ouro, já que mais ela não devia custar. Fui à Casa Gertum, na Doca (era o pai de Emil e Hugo Gertum, e da senhora Luederitz) e ele me participou que o preço era de 40.000 Réis. Muito triste voltei para casa. Estávamos hospedados na casa da mãe de Celeste – Dona Izolina. O pai de Celeste já tinha falecido. Sentei-me num canto chorando lágrimas muito amargas por causa da minha cítara. Dona Izolina perguntou porque estava chorando, eu contei minha história. Ela saiu do quarto e quando voltou disse: “Guarda a tua onça para outra coisa; toma isto e vai buscar a citara”. Eu poderia jubilar, cantar e dançar, como lá na Chácara, quando cantei o “Trovador” ao pé do Morro da Policia. Feliz, busquei a cítara, ainda recebi um caderno de aulas, argola e notas. Estava radiante e voltei para Santa Cruz, onde estudei todos os dias por horas a fio.

Quando Carlos voltou, admirou-se muito dos meus progressos. Schwerin participou da alegria e mandou vir uma grande quantidade de partituras para cítara da Alemanha. Carlos mandou vir mais partituras para duas cítaras, ele mesmo também escreveu várias. Passamos a tocar os nossos duetos. Eu tinha que estudar e praticar, mas Carlos tocava tudo na hora. Como estas horas foram felizes!

Os anos passaram. No dia 4 de agosto de 1870 foi o nosso casamento, como também o de sua irmã Emma com Oscar KannstattEmma viajou em seguida para a Alemanha e a mamãe Trein nunca mais a viu. Apesar de casar em agosto, tive o casamento mais feliz que se pode imaginar com o meu querido Carlos, até a sua morte. Nunca, nunca mesmo ele teve uma palavra áspera para mim. Amorosamente protegeu a nossa família até o fim. Honra e gratidão são os sentimentos que devo à sua lembrança.

Quando a nossa situação melhorou, me presenteou um lindo e novo piano, o qual devia servir também para as nossas duas filhas, Emma e Alice, estudarem. Carlos sabia tocar também violino e eu estudava piano com muito entusiasmo. À noite tocávamos juntos muitas peças de Schubert, Hayden, Strauss, etc. As nossas filhas estudaram piano com o Prof. Keber e as duas tinham tanta facilidade que em pouco tempo sabiam tocar melhor do que eu.

Não sei porque parei de tocar piano e só anos mais tarde, quando as meninas já estavam na escola normal, procurei a cítara novamente. Quando minha mãe se mudou com os netos órfãos, Alice e Irma Meinhardt, para nossa casa, Alicinha Meinhardt tocava bem bandolim, que era moda na época, e cantava modinhas. Compramos na Casa Voigt muitos cadernos de musica para citara e bandolim, para tocar juntas. À noite, quando todos na casa estavam dormindo, íamos para a sala mais distante e lá fazíamos musica até altas horas. Era uma delícia e aproveitávamos bem estas deliciosas horas. Quando deixamos Santa Cruz abandonei novamente a minha cítara.

Passaram anos de novo e quando mudei com Carlos para as colônias italianas, onde o trem de Carlos Barbosa para Alfredo Chaves estava em obra, tendo Carlos como chefe de muitos engenheiros jovens, a minha cítara foi junto. Dois engenheiros, Dr. Tejo e Dr. Mario, tocavam flauta e eu os acompanhava. Mas não era grande coisa. Quando o destine cruel me roubou o meu fiel companheiro Carlos cedo demais, passei a honrar sempre a minha e a sua cítaras, pois através delas eu tinha alcançado e gozado a felicidade de ser sua esposa.

Da idade de 80 para 90 anos, sempre levei a minha cítara junto para o veraneio em Torres. Era um passatempo delicioso. Passava as noites tocando e algumas pessoas vinham para escutar a minha música. Até hoje sento seguidamente à noite, sozinha no Porão, e toco para mim mesma, pensando como o pouco que sei tocar me alegrou durante a vida, e lembrando de quem me ensinou. E para mim até hoje, na idade avançada em que me encontro, não existe nenhuma arte, nenhum prazer, que supere a boa musica. Quase 90 anos eu a amei fielmente.

POST-SCRIPTUM

Mesmo para Petrópolis, onde Malvina Bartholomay e o marido moravam (ele foi o primeiro diretor de Petrópolis) levei a cítara, a cavalo. Era uma longa viagem, passando por São Leopoldo, Linha Nova, etc. Tive que ficar bastante tempo lá por causa da cólera que grassava em Porto Alegre, não podia passar de volta a Santa Cruz. A saudade de Santa Cruz eu matava tocando, tocando e melhorando sempre. A cítara é um instrumento que tem que ser tocado sempre, senão os dedos endurecem.


Série nº 4 – Minha juventude na Chácara

Minha juventude não foi solitária, em companhia de minha irmã MalvineClara era uma menina muito bonita e freqüentava seguidamente a família Normann. Lá ela conheceu Carl von Schwerin e contratou casamento com ele com 15 anos, casou e se mudou para Santa Cruz.

Tínhamos vizinhos muito distintos: Jose Ricardo Abreu. Duas de suas filhas casaram com os dois irmãos, os oficiais Salgados, outra com Domingos dos Santos e uma com Masson, avós da família Cirne Lima de hoje. Malvina seguidamente foi convidada pela família de Jose Ricardo de Abreu para bailes e festas bem tradicionais como a “Festa de São João”, com jantares, fogueira, e sorteios. Todos divertimentos nos quais hoje ninguém pensa mais. Durante os três dias feriados da “Festa do Espírito Santo”, havia lindos bailes no palácio, com fogos, musica, etc. A mãe ia para o “Menino Deus” durante os três dias da festa de “Reis”. Lá havia as “Danças das Jardineiras” sobre tablados, cavalgadas e fogos. Tudo era lindo, mas também eram as únicas festas para o povo. Não havia cinemas, nem regatas, nem concertos, etc. Nos adorávamos tudo isto e muito contentes voltávamos para os trabalhos em casa. Como ficávamos contentes quando vinha visita! Como a família Normann ou D. Izalina com Celeste, Carl Jansen e a família. Nunca fiquei sem ter o que fazer. No verão, procurávamos ao meio dia gavirobas, pitangas, e araçás, que colhíamos em abundância. Em um passeio encontramos um grande formigueiro. Com uma vara mexemos bastante, e vimos lá dentro umas coisas compridinhas. Tirei algumas, rasguei a cobertura que parecia papel e que susto! Estavam cheias de cobras pequenas cobras coral. Com certeza a cobra mãe as deixou lá no formigueiro para serem encubados pelo calor do sol. Como disparei, corri, corri com muito medo de que as cobras viessem atrás de mim, o que não era o caso.

Plantava muitas flores, já naquele tempo, e com muito pouco colégio, mas sempre estudando sozinha, eu passava o tempo.

Aos poucos fui crescendo.

Meu irmão Carl e as irmãs Clara e Malvina encontraram seus destinos na chácara. Emil e eu, entretanto, em Santa Cruz.

Carl, como já contei, casou com a neta de uma fazendeira rica já bem idosa. Como ela tomou parte na revolução de 1835 com 100 escravos, defendendo sua fazenda, teve um prejuízo considerável. Teria sido uma mulher muito corajosa e valente. Quando a conheci já era muito velha e com a cabecinha bem branca Ela não saia mais de cima de uma cadeira de madeira improvisada que ela chamava de “Minha Marquesa”. Sextas-feiras a noite toda a sua grande “negrada” (como ela dizia) tinha que se apresentar para rezar o terço. Ela reza durava muito tempo, pois todos os santos eram lembrados e pedidos feitos a eles. Mas quando os negros cansavam, devido ao trabalho diário, ela tinha uma vara comprida com a qual os animava. Uma vez assisti a isto tudo, mas nunca mais.

No casamento de Carl havia bolo de milho doce, doce de batata e de coco, e abóbora com chá e capilé (suco de framboesa). Carl ficou com a esposa morando na nossa casa, e quando veio o primeiro bebe fui eu quem teve a licença de dar o nome. Como eu tinha acabado de ler o romance “Monte Cristo”, dei o nome de Mercedes. Esta criança mais tarde proporcionou muitos episódios em nossa casa e nas de outros.

A pedido de SchwerinCarl mais tarde se mudou para Candelária e lá teve outra filha, Alzira, e um filho, Carl. Faleceu cedo em Candelária. A mulher se mudou para a casa de tias em Porto Alegre. Mais tarde, quando eu já tive recursos, nossa mãe pediu para tomar conta deles. Quando voltei para Santa Cruz já trazia os três comigo. Malvine, que naquela época também já morava em Santa Cruz, ficou com Alzira, a segunda menina, eu fiquei com Mercedes e Jeny Heuser ficou com o menino  Carl, que faleceu muito cedo.

Mercedes, que era chamada de Lili, era uma menina bonita, trabalhadeira e fiel. Ao crescer, ela logo teve vários pretendentes: meu cunhado Otto, Pedro Castello,(ilegível).

Mas então veio o Graf von Wollwitz e ela rapidamente tornou-se sua mulher. Deste casamento nasceram três crianças. A menina morreu cedo, Hans, que mais tarde tornou-se técnico-dentista em Bagé, e Germano, que era meu afilhado e tinha boa índole. Wollwitz descendia de uma família elegante na Saxônia. O velho Graf teria sido médico do rei. O filho Adolf Eiche von Wollwitz tinha, na Alemanha, feito brincadeiras juvenis bobas no serviço militar e seu pai o mandou embora, para se livrar dele com sem orgulho de Graf. Aqui, através de Koseritz, Bartholomay levou-o como secretário para Petrópolis, e, nas suas viagens para Santa Cruz, ele sempre trazia Wollwitz, que aqui sempre se comportou da melhor maneira possível. Mas financeiramente sua situação não era boa e nunca a sua família perguntou por ele. Infelizmente Wollwitz adoeceu repentinamente e mal tinham buscado o médico, ele faleceu de enfarto de coração. Lili me disse logo: “Titia, eu só tenho em meu poder 5.000 Réis”. E então? O meu bom Carlos teve de cuidar de tudo para o enterro. Após a nossa salinha foi esvaziada e Lili se mudou com os três filhos para nossa casa. Carlos logo escreveu para a Alemanha, para os parentes. Inicialmente sem sucesso, então ele escreveu de novo, a respeito do que seria das crianças com o seu nome, sem educação. Então na Alemanha faleceu o pai, e a mãe mandava mensalmente a quantia de 100 mil Réis (pouco para quatro pessoas). Após 4 anos Carlos alugou uma pequena casinha em frente a nossa, e ela se mudou para lá. Carlos continuou pagando o armazém e as despesas. Então morreu uma velha tia na Alemanha e veio uma pequena herança que ajudou. As crianças já estavam na escola. Então mudou-se para Santa Cruz um bom dentista italiano, Lili ainda era bonita e Pagana, este era o seu nome, casou com ela. Sempre foi muito bom para ela, tendo se mudado em seguida para Bagé, onde ganhava muito bem. Mais tarde, ela morou em Santa Maria, onde ele também ganhou muito bem. Lili ainda ganhou mais duas heranças.

Germano economizou muito a sua parte e pode, com isto, ir para Porto Alegre estudar medicina. Quando o seu padrasto faleceu, deixou a viúva com sete filhos. Então se mudaram todos para Porto Alegre e Germano educou, as suas custas, todos os irmãos. Mais tarde um tio da Saxônia mandou chamá-lo, já que seu avô teria sido o médico particular do rei. Quando ele estava na Alemanha, estourou a guerra. Ele, como alemão legitimo, teve de ir lutar, e acabou preso. Como era médico foi para um hospital e lá ficou até a guerra terminar. Viajou de volta, casou com sua noiva e voltou para o Brasil. Aqui foi médico em Rio Grande, depois em Bagé. Correspondeu-se seguidamente comigo.


Hedwig Textor Trein
Porto Alegre
R. São Rafael N. 843